domingo, 15 de abril de 2012

O adeus ao Lar do Ancião Feliz Dona Dondon


Preparei um sacolão de roupas que pertenciam à minha querida sogra e me dirigi a este local para entregar conforme tinha combinado anteriormente com Eliene Cornélio e tive uma enorme surpresa, pois o lar que abrigara durante quase vinte seis anos, velhinhos, pessoas que não tinham mais família, outros abandonados pelos familiares estava fechando suas portas. O baque foi grande. As lágrimas deslizaram em meu rosto, não consegui controlar. Na época do Natal costumava levar alguns mimos para as velhinhas, como pipoca (elas adoram); produtos de higiene pessoal, toalhas, lençóis. Elas riam, agradeciam, cantavam e na despedida clicava o meu momento especial com elas. Eliene vendo a minha tristeza, disse: “Neuma, elas vão ser transferidas para o outro Núcleo, que fica no Bairro Tiradentes, na Rua do Ancião, 186. Lá é uma chácara, a fundadora, Francisca Benício de Sousa, mora lá e elas vão se sentir bem, num lugar com muitas árvores, com espaço para passear, só que precisa de mais ajuda porque o local ainda não está totalmente preparado para recebê-las, os cômodos construídos precisam do acabamento. Vá lá fazer uma visita, leve os donativos e assim você conhece a fundadora”.
Assim o fiz. Na entrada, um portão simples e o muro baixo completado com cerca de arame. Gostei do que vi, uma trepadeira, ou melhor um pé de Jasmim de Marinheiro perfumando o ambiente. Que recepção! Fui encaminhada para Dona Francisca Benício que sentadinha se encontrava numa cadeira de balanço debulhando feijão verde. Percebi logo sua cegueira. Segurei em sua mão e me identifiquei. Ela riu, agradeceu a visita e pediu que me sentasse ao seu lado para conversarmos. A minha primeira pergunta foi o que a induziu a criar uma casa para cuidar de idosos. Ela levantou a cabeça como se estivesse me olhando e disse assim: “Desde criança que gostava de fazer curativos nas pessoas, nos meus irmãos quando se feriam, quando se machucavam ou se queimavam. Fui crescendo e o desejo de ajudar às pessoas foi crescendo. Muito sonhadora comecei a alimentar a ideia de fazer algo para os idosos, para as pessoas carentes. Seguindo o meu destino me tornei enfermeira e, em 1955, estive na inauguração do Hospital São Lucas, fiz parte do corpo de funcionários e lá trabalhei durante algum tempo. Em 1967 quis voar mais alto e parti para Fortaleza, trabalhei em hospitais e nas horas vagas estudava preparando-me para fazer o concurso para o INPS, naquela época assim era chamado (Instituto Nacional de Previdência Social), hoje, INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). O esforço valeu a pena e em 1970 me submeti ao concurso obtendo êxito. Entretanto, só aconteceu o meu chamado em 1974. Exerci o meu ofício em Fortaleza por doze anos, pedindo transferência para minha terra natal, Juazeiro, para acompanhar meus pais que precisavam dos meus cuidados devido à idade avançada. Logo que cheguei aqui, quis praticar ainda com mais persistência o meu desejo de ajudar ao próximo, o meu espírito idealista não me abandonava. Realizava palestras sobre idosos, tinha um programa na Rádio Iracema falando sobre idosos, suas necessidades, assistências e cuidados. O tempo era curto, apenas meia hora, mas era suficiente para esclarecer dúvidas, informações importantes para o cuidador etc. Esse programa ficou no ar durante dez anos. Minha mente não parava, trabalhava arduamente tentando descobrir como poderia fazer mais. Surgiu, então, a ideia de fundar uma casa para abrigar pessoas abandonadas pelos familiares; pessoas que já não possuíam família; velhinhos que perambulavam pelas ruas. Fui orientada por amigos sobre o procedimento necessário para criar uma instituição: documentação, registro, estatuto, providenciei tudo com a rapidez de um raio, graças a ajuda de uma amiga fiel, Lucrécia. O que estava faltando era o local para funcionar. Busquei ajuda em entidades, comércio, indústrias... e nada. No início de agosto de 1986, numa quarta-feira, me dirigi para o Santuário de São Francisco para assistir à Hora da Graça, nesse dia estava bem desanimada, mas me vali de Jesus e de todos os Santos pedindo que os caminhos fossem abertos, que alguém abraçasse essa causa. Voltei para casa mais animada e confiante, depois de rezar bastante, senti que o meu sonho iria se tornar realidade. No dia seguinte, recebi uma ligação de irmã Nely Sobreira, da Congregação das Missionárias de Jesus Crucificado, ordem fundada por Mons. Macedo, dizendo que precisava conversar comigo. Rapidamente me dirigiu para me encontrar com ela no Limoeiro, precisamente no Dispensário Nossa Senhora das Dores. Lá chegando, irmã Nely já estava a minha espera e foi logo dizendo: 'Tenho uma boa notícia para você, o Professor Espedito Cornélio me procurou para pedir que o ajudasse na criação de uma casa de repouso para idosos, e como já estou bem atribulada de trabalho não tenho condições de administrá-la, e pensei em você!' No momento fiquei extasiada, não estava acreditando no que ouvi. Mesmo assim, sem acreditar, pensei: Minhas preces foram ouvidas, Papai do Céu está abrindo os caminhos que pedi.
Irmã Nely marcou um encontro com o Professor Espedito, uma pessoa de Deus, muito fervorosa e caridosa, dons herdados da mãe, Dona Maria Caldas (Dona Dondon) para que o inteirasse do meu objetivo. Apresentei a documentação, o estatuto, ele examinou e me deu a resposta imediatamente: 'É isso mesmo que estou querendo'. E foi assim que surgiu o Lar do Ancião Feliz Dona Dondon, na Rua Santa Rosa, 215, Bairro do Socorro. O nome dado para a associação foi uma justa homenagem à mãe do comodante do imóvel, que fez doação de tudo que existia na casa, móveis, utensílios de cozinha, eletrodomésticos, telefone exceto o imóvel. Nestes quase vinte e seis anos de existência o Lar do Ancião Feliz Dona Dondon cumpriu com a missão:  “Promover o bem-estar e felicidade da população idosa”. Abrigou durante esse tempo todo quase duzentos velhinhos”. Hoje, encerra suas atividades. As oito velhinhas que estão morando nele serão transferidas para o núcleo do Bairro  Tiradentes, cujo  terreno pertenceu aos  pais de Dona Benício, Seu Antônio Teotônio e Dona Josefa Benício de Sousa que notando a dedicação e entusiasmo e  espírito de doação de sua filha por uma causa nobre fizeram a doação do terreno para abrigar a associação. É necessário dizer que muitas pessoas vontadosas contribuíram para o funcionamento da Associação Dona Dondon, como: Irmã Teresinha Sousa, Irmã Nely Sobreira, Eliane Melo, Eliene Cornélio, Joana, Dona Terezinha e muitas outras pessoas abnegadas e desprendidas. As velhinhas com certeza vão se adaptar à nova morada, para elas é uma grande novidade. O que podemos fazer? Pedir a Deus que as pessoas que colaboravam com o de Dona Dondon continuem  firmes e fiéis nos seus donativos para que a cada dia os idosos desse Lar tenham mais conforto e uma vida melhor. Dona Francisca Benício apesar da deficiência visual é uma pessoa tranquila e feliz no que faz. Ri bastante, canta, diverte. A curiosidade me fez perguntar a causa da cegueira, ela respondeu: “Fui acometida de glaucoma, e em 2006 perdi totalmente a visão. Fui a um passeio num sitiosinho que minha irmã Ismênia possui, e lá fomos dar uma volta e olhar do alto a lua cheia que estava surgindo, e todos olhando e dizendo que lua linda! Procurei e não a vi, apontaram na direção para que a visse, me virei, e nada. De repente a vi, só rapidamente. Foi a última vez que enxerguei e vi a lua. Mas sou conformada!. Deus permitiu que fosse assim”.
Que belo exemplo de resignação e de aceitação. Obrigada, Dona Benício, por ter me ensinado em tão pouco tempo de conversa, a imensidão do amor de Deus. 

Sede do núcleo do Bairro Tiradentes


1. Dona Benício. 2. Construção de novos aposentos.
       E-MAIL RECEBIDO
Neuma: Lendo sua coluna Recordações me transportei aos meus 5 anos, mais precisamente a 1957 quando papai e mamãe, com muito carinho, me prepararam para eu ir ao Crato tirar a foto que você publicou. Confesso que não lembrava que essa foto era colorida. Como você é detalhista! Nunca imaginei que você lembrasse desse detalhe. Lembro também da foto do  meu irmão Eudório. Quando tirou essa foto papai fez questao de  pentear o seu cabelo com muito esmero. Obrigada, querida prima, por essas lembranças que nos fazem tanto bem. Que deus continue a iluminá-la para que você faça sempre as pessoas felizes.
Socorro Romão, Juazeiro do Norte