terça-feira, 1 de maio de 2012

Dona Toinha, professora nota 10

01.05.2012

Decorria o ano de 1957, apesar de estar matriculada no 1° Ano Forte, não tinha aprendido a ler. Sabia escrever corretamente, ditado não errava nenhuma palavra, a letra bem legível, mas o principal não sabia, que era ler. Meus pais começaram a ficar preocupados, crianças de minha idade já liam corretamente, e comigo nada. E o pior de tudo isso é que já tinha passado por várias escolas, e a dificuldade continuava. Então indicaram para meus pais que perto de onde morávamos existia uma professora com uma pequena escola em sua própria residência e que ministrava suas aulas através de um método muito eficiente, o uso da palmatória, disseram para eles, “é um santo remédio, aprende mesmo”. Mamãe então, foi conversar com a professora Antônia Silva Filha, Dona Toinha, explicou o meu caso e me entregou para ela, dizendo: “Minha filha é muito nervosa e emotiva; chora com facilidade; sente muita dor de cabeça e, fica envergonhada quando dizem que ela não sabe ler. A palavra que se usava para qualificar essas crianças, criança rude. Estou aqui para matriculá-la, mas peço-lhe que lhe dê um pouco mais de atenção, pois acredito que com a senhora ela vai aprender, tenha paciência com ela”!
Assim, ficou combinado o dia que começava a frequentar sua escola. O receio, o medo que teria que enfrentar todo dia me deixava muito nervosa e preocupada. Finalmente chegou o dia, me preparei com um vestidinho simples, calcei as alpercatas com rabichos, como costumávamos chamar, e me dirigi toda trêmula, o pavor tão grande, que quase não conseguia andar. Ao chegar à porta da escola ela já estava lá esperando os alunos, cumprimentei-a muito encabulada e ela, com seu vozeirão, respondeu: “Bom dia, Tereza! Os dias foram passando e fui me adaptando, já a cumprimentava sem tanto receio. Mas quando ela dizia: “Tereza, estudou, preparou as tarefas?” Não respondia, mas, o meu pensamento respondia: – Claro que tinha feito, não queria levar bolos. Acontece que na hora da leitura me engasgava, tossia, até soluço me dava. Ela me dispensava e passava para outro aluno. Notava que ela sentia uma afeição especial por mim, talvez como se penelizasse da minha dificuldade em aprender. Nos dias que aconteciam a sabatina da tabuada, não errava uma sequer, pois decorar era o meu fraco. A sabatina consistia no seguinte: as quatro operações ela arguia, dessa forma: 5+8-3x6: e a resposta deveria ser dada bem rápida. Entretanto, num certo dia ao sabatinar um colega da minha sala, não lembro o nome, ele errou, e ela fez a pergunta para mim, respondi de imediato, e dessa maneira ela se expressou: “Você vai aplicar seis bolos nele, três em cada mão”. Muito tola e envergonhada, não quis aplicar os bolos com força. Na primeira que apliquei, devagar, ela tomou a palmatória de minha mão e disse assim: “Olhe, menina, é dessa forma que deve dar os bolos, com gosto, para que ele da próxima vez se esforce, estude para não errar”. Então, pegou minhas mãos e aplicou-os com força como sempre recomendava. Nesse dia chorei pra danar, não me conformava porque levei os bolos. Mas também serviu de lição, nas outras vezes botava pra quebrar, não quis sofrer pelos erros dos outros. Em conversa com Socorro Lima, neta de seu Pedro que tocava o sino na Capela do Socorro, que foi minha colega de turma, ela disse que até hoje agradece a Dona Toinha saber algarismos romanos até 5.000. A cartilha usada por  Dona Toinha na nossa turma ela lembra ainda, Lalau, Lili e o Lobo. Outros colegas de minha turma, Paulo Machado (hoje odontólogo e advogado); Maria Ieda de Lima (professora); Edson Amorim (falecido). E foi nessa escola simples, de carteiras duplas, quadro-negro de madeira e com uma cantina no fundo do quintal, que sua mãe Sá Tonha vendia as merendas, como: cocada, pitomba, amendoim, mas raras vezes levava dinheiro para comprar, pois lá em casa a ordem era levar a merenda de casa, que consistia em banana, leite com bolacha, bolacha Lídia e suco. Conduzia numa pequena sacola de pano feita por minha mãe, com um babado e o nome da gente. Foi aí que conquistei um grande sonho, o meu maior desejo naquele período de minha vida, o de saber ler. Com orgulho passava nas lojas e lia as placas, um pouco soletrando, mas finalmente atingi o tão esperado alvo. Dona Toinha dedicou uma boa parte de sua vida na alfabetização de crianças. Ela perdeu a conta de quantos alunos passaram por suas mãos, sabe que foram mais de vinte anos de dedicação total. Conseguiu diplomar-se na Escola Normal Rural e de posse do diploma conseguiu um contrato do Estado e do Município. Entregou sua escola para sua irmã Alice dar continuidade. Sua residência continua no mesmo endereço, Rua Santa Luzia, 21. Hoje aposentada, costuma sentar na calçada para palestrar com seus amigos e vizinhos. Sempre a vejo na Capela do Socorro na missa de 15:30h, no sábado, e a abraço. A essa pessoa simples, de método antiquado, que a pedagogia moderna condenava (o uso da palmatória), devo muito e tiro meu chapéu. E finalizo com os seguintes dizeres: Dona Toinha, muito obrigada, a senhora foi nota dez para mim!.
1.Dona Toinha quando jovem. 2. Atualmente e 3. A cartilha que ela adotava para ensinar Português.
1.Dona Toinha como concludente do Curso de Datilografia. 2. 

Quando aluna da Escola Normal e 3. Na solenidade de sua colação de grau como Professora Primária.

1. Sá Tonha, mãe de Dona Toinha e 2. A imagem de Nossa Senhora da Conceição que no final do mês de maio era coroada. Quando estava encerrando as atividades de sua escola, Dona Toinha fez um sorteio com a turma masculina e o contemplado foi o aluno Antony Agostinho que até hoje a conserva em sua casa, colocando-a bem na entrada da sala do Coração de Jesus.

1.Socorro, ex-aluna e 2. Daniel Walker, também ex-aluno.
Na foto Dona Toinha relembra o tempo em que  dava bolo de palmatória 

Capa das provas da Escola de Dona Toinha. 
Turma  mista de1971, gentilmente cedida por Edvânia. Em pé, da esquerda para a direita: Edvânia, Rosângela, Jaqueline, Cícera, ?, Antony, Mário Jorge, ?, Socorrinha, ?, Rosana, Regina, Carlos Edvan, ?  

Da esquerda para a direita:1ª fila em pé: ?, ?, Dona Toinha, ?; 2ª fila: Nailma, ?, ?, Nilce, ?, Ludmila, ?, ?. Sentadas: ? Imeuda, Sílvia, Isabel Cristina, Analuce e Lúcia Cansanção.
Turma masculina de 1961.Em pé, a partir da esquerda: Demontiê Sobreira, Antonio Agostinho (falecido), ?, Evandro Amorim, Cicero Sobreira, ? ,Paulo Airton Macedo, Serginaldo Agostinho. Segunda fila, ?, Marcos Germano, Marcelo Macedo, a professora Toinha, Roberto Gomes, ?, Cícero Roberto Gondim Medeiros, ?, Carlinhos Lima, Evânio Amorim, ?. Na identificação dos nomes participaram, Dona Toinha, Paulo Airton, Aldo Marcozzi e Evison Amorim. 


MENSAGENS RECEBIDAS
Que lindo! Me deliciei lendo tuas memórias como contação de uma infancia e adolescência que hoje não vemos e não temos o prazer de ver. Que Baú rico hem? Amei as roupinhas dos filhinhos. Também guardo dos meus. Lindo, lindo sensacional! Bjs
Herbene Guedes, Juazeiro do Norte

Olá querida Neuma! Tudo bem?
Hoje depois de algum tempo sem ler os seus artigos, resolvi me deliciar com suas recordações que me fazem tanto bem... Porque não dizer nossas também. Pois são através de suas lembranças que conseguimos entrar e voltar ao nosso mundo imaginário e incrivelmente maravilhoso da nossa infância. Pode acreditar que a cada uma das suas descobertas me vejo nelas, pois me traz de volta todo o nosso passado. Obrigada por me fazer lembrar que existe dentro de nós uma história a contar e que nos torna vivas novamente. Quero dizer que adoro viajar com você nesse tão fabuloso universo.
Um grande beijo,
 PS : Consegui me atualizar com suas colunas.E como era de se esperar todas homenagens ali postadas foram bem merecidas. Parabéns!!!
Marleide Fernandes Guimarães, Fortaleza, Ceará