domingo, 5 de fevereiro de 2017

Recordando a comemoração de noventa anos de Maria Almeida, minha sogra

Há exatamente 11 onze anos, foi comemorado com muita alegria o aniversário de uma pessoa muito especial em minha vida, dona Maria Almeida. Foi ela que me ensinou numa convivência de mais de quarenta anos a lidar com os dissabores e preocupações que a vida nos traz. Foi ela que me ajudou e acompanhou quando precisei do seu auxílio, olha que não foram poucos, com os meus dois filhos, quando íamos para o cinema; quando fazia uma viagem curta; ou mesmo quando estavam doentes e que eu precisava ir trabalhar. Sempre me acompanhava nas consultas médicas deles, e como ficava preocupada. Não posso deixar de mencionar a apaziguadora que foi tantas vezes em momentos de discussões com seu filho, meu marido. E foi para essa mulher que no dia 05 de fevereiro de 2006 lhe presenteei com 3 álbuns contando a sua história. No primeiro enfoquei o seu nascimento, fotos dos pais, familiares, e o seu casamento; no segundo as fotos dos filhos crianças, adultos, formados, casados e o convite do casamento. E no terceiro, fotos dos netos, bisnetos e mensagens do marido, seu Zeca, dos filhos, netos, noras e amigos. A entrega aconteceu em nossa casa e foi oferecido um almoço. À tarde a comemoração foi em sua casa com um bolo confeitado, feito por uma grande amiga-irmã, Francisquinha Cordeiro e com salgados e refrigerantes. Contou-se com a presença do filho, Daniel Walker, parentes e amigos. Nessa ocasião foi entregue por Daniel um pacote contendo um pequeno livrinho escrito por seu filho, Carlos Alberto contando com muita maestria as proezas e mancadas (nós considerávamos) que de vez em quando ela aprontava. A risada foi geral quando ela abriu o pacote, as palmas ecoaram na sala e todas as pessoas foram agraciadas com o livrinho. Apreciem portanto, o escrito abaixo com algumas das tiradas famosas de Almeidinha, como assim chamou Carlos Alberto:

A TROUXA
No final de dezembro de 1973, meus pais, Ozenir, Jorge Luís, Lou e Zé Maria foram para Recife assistir à minha formatura. Ficamos todos no apartamento de Lilia. Nesse tempo, eu já estava casado com Ozenir e ela estava morando com meus pais em Juazeiro. Estava planejado que, após a formatura, todos voltariam para Juazeiro e Ozenir ficaria morando comigo em Recife. Mas não deu certo e Ozenir teve que voltar.
Então, estávamos todos na rodoviária de Recife, naquele clima de tristeza, normal de despedida, mas agravado pelo fato de que os planos não tinham dado certo. Não tínhamos conseguido passagem no mesmo ônibus para todos, e papai teve que ficar para ir em outro ônibus que sairia duas horas depois. O quadro era esse: mamãe, Ozenir, Lou, Jorge Luiz e Zé Maria no interior do ônibus. Ozenir numa cadeira da janela numa indisfarçável tristeza, mamãe noutra cadeira de frente, também na janela, triste e preocupada por que papai viajaria sozinho. Eu e Papai ficamos na plataforma de embarque, conversando e aguardando a saída do ônibus, junto com várias outras pessoas. Papai ficou de levar como bagagem apenas um saco de pano com algumas peças dentro. E como sempre foi despreocupado, o saco estava no chão, ao seu lado. Mamãe, temendo que papai esquecesse o volume, gritou de dentro do ônibus: "Zeca, segura a trouxa". E, achando que papai não tinha ouvido, continuou: "Ô, Zeca, não esqueça de trazer a trouxa".
Foi uma gargalhada geral, pois em Pernambuco, como no Ceará, trouxa, além de ser um saco de roupas, é também mais uma denominação do pinto de homem.

EU QUERO É BROA
Tem muitas coisas que mamãe não gosta. Duas delas são: viajar de carro (por que tem medo de acidente) e almoçar em restaurante de estrada durante a viagem (porque não quer gastar, nem quer que a gente gaste dinheiro). Numa viagem de carro de retorno de Natal para Juazeiro, vinham Daniel, Neuma, papai e mamãe. Ao chegarem em Pombal, PB, Daniel errou o caminho e seguiu viagem na direção de Patos e Campina Grande. Lá pra frente notou que estava errado e se distanciando do destino. Como já era mais ou menos o meio-dia, e estavam com fome, ele resolveu parar no primeiro restaurante que apareceu. Ao sentarem-se na mesa, Daniel, irritado com a mancada e com o atraso da viagem, perguntou a mamãe. "E aí mamãe, o que a senhora vai querer pra almoçar?" Mamãe prontamente decidida falou: "Eu quero é broa!" Daniel, um pouquinho mais irritado, contestou. "Que broa, mamãe? A gente vai demorar a chegar em Juazeiro, está todo mundo com fome, e a senhora vem dizer que quer almoçar broa!".

NO ELEVADOR DO PRÉDIO DE LÍLIA
Durante uma viagem a Aracaju, passamos em Recife e Olinda para fazer uma visita aos nossos parentes. Lilia nos levou para visitar sua filha e minha sobrinha Lília, que mora no décimo andar de um apartamento em Recife. Pegamos o elevador social do prédio: muito chique, tinha um espelho no fundo. Mamãe ficou na lateral do elevador, quietinha, tensa, bem no seu natural, e olhou para o espelho. Quando a porta do elevador abriu, já no andar de Lília, mamãe falou bem baixinho: "Esse pessoal parece com a gente". 
Ela achou que a nossa imagem refletida no espelho eram outras pessoas.

A VALISE NO ÔNIBUS
Quando eu morava em Aracaju, mamãe e papai foram nos visitar. Viajaram de ônibus até Maceió e lá pegaram outro ônibus para Aracaju. Naquele tempo não tinha ônibus direto de Juazeiro para Aracaju. Mamãe sentou numa cadeira do lado direito do ônibus, e colocou a valise no porta-bagagem de mão do ônibus, de tal modo que ela sentada, olhando para a frente, ficava vendo a valise do seu lado esquerdo. Num determinado momento, o ônibus fez uma parada para almoço ou lanche, no percurso Juazeiro-Maceió. Todos desceram. Ao retomar ao ônibus, mamãe, antes de sentar na poltrona, quis pegar a valise para retirar alguma coisa. Então, de pé, no interior do ônibus, ela procurou a valise no porta bagagem do lado esquerdo, como ela sabia que estava. Mas não encontrou a valise. Aí ficou abusada: "Cadê minha valise? Eu coloquei bem aqui, desse lado. Eu não posso viajar sem minha valise. Ela é marrom e eu não estou vendo ela". Nisso todo mundo já tinha entrado no ônibus, todos já estavam sentados e logicamente queriam seguir viagem. Ela continuou: "Eu quero minha valise! Ô, motorista, o senhor não pode seguir viagem se não aparecer minha valise".
O clima já estava pesado, papai, tranquilo, nem participava da cena. Foi então que o motorista resolveu interferir. Vendo uma valise, perguntou: "Minha senhora, não será aquela valise ali, do outro lado?" E mamãe: "É essa mesmo". Foi então, que mamãe se deu conta que estava olhando no sentido contrário do ônibus. Agradeceu ao motorista pegou a valise, colocou-a no colo e a viagem seguiu em paz.

OS MEUS CINQUENTA ANOS
Quando eu completei 50 anos, comemorei a data em minha residência, em Natal. Além dos meus pais, familiares meus e de Ozenir, vieram também alguns amigos íntimos de Juazeiro. Foi uma festinha bem familiar e que me proporcionou uma grande alegria.
Lá para altas horas da noite, já no final da festa, eu já estava, digamos, um pouco mais alegre, sob o efeito de algumas doses de whisky. E como se diz no Ceará, eu quis botar boneco, inventando de ir para a rua, continuar a bebedeira. Mamãe pedia que eu não fosse, insistia mesmo. E eu lá, bonecando:
''Não, eu vou pra rua, eu não quero que o dia acabe". Lá para as tantas, ela vendo que eu não me demovia dessa ideia maluca, falou sério comigo: "Olha aqui, Carlos Alberto, se você continuar com essa palhaçada eu não venho pra festa do seu próximo cinquentenário". 
          Taí uma demonstração inédita de otimismo dela, que eu nunca tinha visto antes.

NO CARRO COM DANIEL
Mamãe tem o maior medo de carro. Dentro e fora dele. Cuidadosa e precavida, ela só atravessa uma rua, se não tiver nenhum carro se dirigindo no seu ângulo de visão. Dentro do carro não é diferente. Por diversas vezes em suas visitas às minhas residências, em Salvador, Aracaju e Natal, a gente saía para passear pela cidade. Ficávamos mostrando os locais turísticos da cidade, e ela não virava a cabeça para olhar. Ela dentro do carro só olha para a frente. Ela acha que se desviar o olhar, quem estiver dirigindo se distrai e pode bater o carro ou atropelar alguma pessoa.
Pois bem, foi assim que um dia ela foi passear de carro com Daniel, Neuma e papai, na estrada do Horto. Durante todo o percurso até o horto, mamãe ficava advertindo Daniel: "Cuidado, olha o menino, olha o carro, vá devagar"; "Oh! meu
Deus, olha a carroça, cuidado no jumento, esse carro tem freio?". Daniel, já sem paciência, de imediato parou o carro, tirou a chave da ignição, abriu a porta, desceu do carro e falou pra mamãe: “Tome a chave, mamãe. A senhora agora é que vai dirigir". Mamãe, chateada, resmungou alguma coisa tipo "Precisa ser tão grosso assim!", e ficou quietinha o resto da viagem.

A BAHIA NÃO É O CEARÁ
Mamãe foi com Lou para Salvador, para assistir ao nascimento de Carlos Alexandre. Foram de ônibus e atravessaram o Rio São Francisco, chegando em Juazeiro da Bahia. Nesta cidade baiana, tiveram que mudar de ônibus para prosseguir viagem até Salvador. Prontamente, um gentil carregador se ofereceu para carregar as malas das duas senhoras até o outro ônibus. Concluído o serviço, mamãe quis dar uma gorjeta e perguntou, bem educadamente: "Quanto é, meu senhor?". O baiano, sem cerimônia e baianamente, cobrou um certo valor, que elas acharam muito alto. Mamãe então exclamou: "Vige, é muito caro! No Ceará não é esse preço não". O baiano, agora nada gentil e irritado falou: "Acontece que a senhora 'tá na Bahia" .

A ASSOMBRAÇÃO DO TRONO
Essa é muito antiga e é do tempo em que as casas tinham um precário sanitário no fundo do quintal que era chamado de “trono”.  Mamãe ainda era solteira e sua irmã de criação Jó morava com ela.  Numa noite escura, tia Jó foi fazer o serviço no sanitário e levou o penico. Mamãe, como era de praxe, acompanhou minha tia e ficou esperando bem próximo, com um candeeiro aceso.  Após o serviço, tia Jó balançou o penico na perna, procurando limpar a sujeira.  Mamãe, apavorada, imediatamente saiu correndo em direção a casa. Tia Jó, também assustada, correu atrás de mamãe. Chegando no interior da casa, tia Jó perguntou: “ O que foi, Maria, por que você correu?”  Mamãe, ainda sem fôlego, falou: “Eu sei lá, eu vi uma coisa encostando  na sua perna e fazendo cachap, cachap, cachap, aí eu tive medo.” 

A EMPREGADA DOIDA
A nova empregada chegou a casa para trabalhar e disse que o apelido dela era Zeca. Mamãe falou que esse nome não dava certo porque já era o nome do seu marido e que ela ia ser chamada por Zélia.  A empregada disse: “Que bom, que nome chique”. Passado algum tempo, ela notou que Samuel dava muito trabalho e lhe aperreava muito. Um dia, Mamãe mandou ela levar Samuel pra passear. Ela não aguentou e voltou logo, dizendo que não ia mais passear com um menino tão trabalhoso. Mamãe disse que ela tinha que ir porque ela estava muito ocupada. A empregada insistiu que não ia e saiu de casa.  Mamãe então partiu pra cima da mulher com uma chinela. A mulher saiu correndo lá pras bandas do Salgadinho, com mamãe correndo atrás, e gritando alarmada:  “Socorro,  socorro, me acudam, essa mulher quer me matar”.  A perseguição só parou porque a mulher conseguiu entrar numa casa e foi protegida. 
Depois disso, a mulher foi logo trabalhar na casa de dona Marieta. Esta era uma senhora durona e autoritária, e tinha também um filho, chamado Cícero, que, como Samuel, não era flor que se cheirasse. Logo nos primeiros dias a empregada começou a aprontar e dona Marieta veio pedir orientação à mamãe, de como devia proceder, se devia bater nela. Foi quando mamãe disse: “Tenha a paciência que eu não tive, não bata nela, que ela é doida mesmo.”  

Neuma faz a entrega dos álbuns
O baú com os albuns contando a história de Maria Almeida
Daniel lendo o livo de Carlos Alberto 








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