Debrucei-me sobre as lembranças para avivar a minha memória e resgatar fatos e episódios vivenciados por você, querido filho. E descobri que ao trazer à tona essas lembranças senti como se estivesse vivendo tudo novamente. A descoberta da minha gravidez não esperada, mas que trouxe para nós muita alegria. E a sua vinda ao mundo em 4 de maio, às 22h30 de uma sexta-feira.
Ah! Filho, você não calcula o que senti para trazê-lo ao mundo, foram vinte e quatro horas de dores. Imaginei que muito feliz no aconchego do meu ventre não quisesse deixá-lo, talvez até por sentir-se seguro, de saber-se amparado, protegido. Finalmente, não teve outro jeito, tinha que nascer mesmo, pois já passava da hora e foi preciso uma cesárea. Devido à demora, você nasceu arroxeado e com hematomas na cabeça. E a sua defesa era o choro, quanto choro e a insônia que lhe perseguia. E como não pegou o peito, a solução foi leite em mamadeira, porém regurgitava demais. Ao completar o primeiro mês, ao invés de adquirir peso fez foi perder. Fiquei apavorada, então pegava o livro A vida do bebê de Rinaldo de Lamare, que passou a ser meu livro de cabeceira para tirar minhas dúvidas. E olha, me perdoe, mas o que arranjei de doenças (imaginárias) para você até perdi as contas. Seu pai às vezes me acalmava e outras vezes ficava irritado comigo, e dizia: “Este livro não lhe faz bem porque tudo que você lê, os sintomas de determinada doença acredita que o menino esteja com ela, vou terminar escondendo-o”. E assim, o tempo foi passando, você rodeado do carinho da gente, dos seus avós e de Maria Duarte. Quando introduzi em sua alimentação a sopinha, não aceitava de forma alguma carne, e para enganá-lo liquidificava e misturava com os outros ingredientes e o forçava a comer. Tempos passados! Os hábitos mudaram e hoje você é vidrado em carne.
Na casa de seus avós vez por outra praticava uma peraltice, uma delas aconteceu assim: “deixamos você com seus avós e fomos para o cinema. Quando fomos pegá-lo, ouvimos seus gritos, sua avó e Maria tentavam consolá-lo, mas não queria acordo, o que aprontou mexendo no armário da cozinha fez cair em cima do dedo do pé um vidro grande de café, e a unha ficou logo roxa. Tivemos que passear umas duas horas de automóvel para que adormecesse. Outra danação, um belo dia saiu para passear com seu avô, ele comprou um pacote de pipoca e enquanto pagava, você entrou na Capela do Socorro e ficou bem sentadinho comendo tranquilo a pipoca. Sua avó achou que estavam demorando e foi procurá-los no átrio da capela, encontrou seu avô e não lhe viu, perguntou logo por você, seu avô disse, agora há pouco ele estava aqui comigo, mas não sei para onde ele foi. Sua avó se desesperou pensando na minha reação, e começaram a procurá-lo perguntando para as pessoas se tinham visto uma criança com um saco de pipocas. Depois de algum tempo o encontraram bem sentado saboreando a pipoca.
Chegou o tempo de frequentar a escola. A escola que escolhemos foi o Educandário Paraíso das Crianças, no horário da tarde, localizado na Rua São Francisco, 632, esquina com Rua da Glória, você estava com dois anos e três meses. Sua primeira professora foi Rita Callou. A fardinha era um macacão vermelho de mescla com um desenho dos personagens da Disney. Muito travesso terminava logo suas atividades para mexer com os coleguinhas. Ao concluir o Pré II no Paraíso, o matriculamos no Ginásio Batista do Cariri na 1ª série e nele estudou até a 8ª série. Sua primeira professora foi Zulmira Cartaxo Rolim, muito empolgada com a sua missão de ensinar e educar com as regras do bom viver. E por sinal tinha um cuidado especial por você, pois trabalhávamos juntas na Escola Maria Amélia. Concluindo a 8ª série não pode continuar no colégio em virtude de o mesmo não oferecer o 2º grau. Passou então a estudar no Colégio Diocesano, em Crato. Aí sim, minhas preocupações aumentaram, a sua ida todos os dias para a cidade vizinha. E as caronas que pegou, lembro que João Fernandes (meu compadre) deu carona para você e sua turma. E as vezes que gazeou aula, seu danadinho, pensou que não íamos tomar conhecimento, hein? Acontece que sabíamos logo, e as broncas aconteciam. Pensando no seu desenvolvimento físico, o matriculei juntamente com seu irmão na Academia de judô, do professor Arthur, instrutor oriundo de Fortaleza. Participaram de torneios no Sesc e ganharam até diplomas e medalhas.
E quando despertou o gosto pela música, enfeitou o quarto com os ídolos que admirava, e isso eu não gostava em absoluto, nem da desorganização dele e do seu gosto musical. Quando completou quinze anos lhe presenteamos com um violão e logo aprendeu a tocar de ouvido, entretanto o seu intuito era outro, queria aprender a tocar guitarra e juntou com a venda dos peixes ornamentais, pois tinha uma caixa d´água com um criatório de peixes ornamentais, e quantos meninos do seu tope lhe compravam. Realizou portanto seu sonho, comprando com sua mesada e com a venda dos peixes sua primeira guitarra, de cor vermelha. Daí partiu para fundar a banda heavy metal Stormbringer, e depois de algum tempo mudou o nome para Glore Fate, fomos contra, não admitíamos que você se ocupasse tocando esse gênero musical. Foram anos de perseguições nossas, mas a sua perseverança venceu, e hoje você tem três bandas, a de rock pesado (Glory Fate), uma que reverencia os Beatles (Rei Bulldog) e uma que toca músicas anos 60 (Holy wood).
Filho querido, não posso deixar de falar no seu espírito de liderança, quando brincava com seus amiguinhos sempre levava vantagem, todos tinham que obedecê-lo. Lembro das peladas na rua que jogava sem a minha aprovação, pois tinha verdadeiro horror dessa brincadeira. Do cuidado e do zelo que tinha por seu irmão; das brincadeiras que inventava para que ele participasse e das vezes que o defendeu na escola.
Agora, ria um pouco, lembrando da seção de cinema vespertina que assistia sempre no domingo, e um belo dia chegou com os cabelos pregado de chicletes, sendo alvo de gozação em casa, ainda bem que não possuía cabelos longos. E a mamadeira que tomava dormindo até perto dos dez anos. Não posso deixar de mencionar as férias nas casas de praia em Fortaleza, passávamos alguns dias com mamãe e uma semana nas casas de praias que alugávamos e íamos com sua tia Analuce, Junior e os primos, Luciana, Juliana e Rafael, como era divertido! E da casa de Munda em Horizonte sempre passávamos por lá na ida para Fortaleza e na volta. Do almoço gostoso que ela fazia em panela de barro e da rede que era armada para seu pai se deitar e descansar da cansativa viagem. Lembra, filho? E também do dia de sua primeira eucaristia que mamãe veio de Fortaleza participar, sendo o catequista padre Cassiano, administrador do Santuário do Sagrado Coração de Jesus; dos fantoches que confeccionou com gesso, fiz o corpo de cetim, e a história e os personagens todos criados por você; dos campeonatos de jogo de botão, que você sempre vencia; de ajudar na época das romarias aos seus avós na lojinha de artigos religiosos que possuíam próximo do Memorial. Lá junto com seu irmão e com o seu primo, Carlos Alexandre vendiam velas em banquinhas improvisadas na calçada; e do almoço no domingo na casa deles, nossa presença era infalível, sentíamos-nos bem, a família reunida. Sua avó caprichava no almoço, passava a manhã toda na cozinha para fazer o que considerávamos um banquete: feijão verde com verduras, peito de frango assado, galinha cozida e molho pardo, paçoca, batata doce e as apreciadas batatinhas fritas que invadíamos antes de levar para a mesa, o prato ia para a mesa vazio só para constar; do curso de inglês que fizemos juntos no Seminário Batista do Cariri. Como tinha que levá-lo e depois buscá-lo, resolvi, então, fazer o curso também. Porém, o quanto sofri, competindo com uma cabecinha fresca e muita facilidade para as línguas. Suas notas sempre superavam as minhas; e o livrinho que escreveu O valor de X, impresso em gráfica, que lhe presenteamos ao completar treze anos; e a surpresa que lhe causei ao presenteá-lo no dia que completou dezoito anos com uma carta contando muitos detalhes de sua vida. É preciso mencionar uma coisa difícil de acontecer naquela época, a idade que começou a trabalhar apenas catorze anos, vendia papel de carta personalizado, etiquetas, confeccionadas por Junior, seu “patrão”, em Fortaleza. Depois passou a digitar trabalhos científicos, monografias de universitários, e graças à qualidade do trabalho criou fama rapidamente, sendo bastante requisitado. Da amizade e do carinho dos seus padrinhos, Neomísio (falecido recentemente) e de Marlúcia.
Não poderia deixar de revelar uma façanha imemorável que foi sua aprovação no vestibular do curso de Direito da Urca, em sétimo lugar, sem ao menos haver concluído o 3º científico. Você foi matriculado através de liminar, cursou o 1º semestre, entretanto a Urca recorreu, derrubou a liminar e você teve que se submeter novamente ao vestibular. E passou de novo. Cursou até o 6° semestre e desencantado com o curso, fez novamente vestibular escolhendo Letras, obtendo o 1° lugar. Recordo de sua festa de Colação de Grau, que você participou sem querer e por isso foi todo desarrumado, de tênis sujos e a beca não abotoou o colarinho porque não quis prová-la antes, e só a vestiu na hora de ir para a solenidade, não havendo portanto tempo para ajeitar. Ah! Meu querido! Lembra da emoção que sentiu ao receber um pequeno baú de madeira no dia de sua formatura contendo três álbuns contando sua trajetória, com os títulos "Acervo de lembranças I, II e Em busca do saber", contendo os primeiros rabiscos, as primeiras atividades e as provinhas? Uma surpresa e tanto! E também do lançamento do livro Fragmentos de insônia, de sua autoria, e apresentado pelo professor Eurides Dantas, na sala de teatro do Sesc. De sua viagem para Fortaleza para tentar a sorte, e só aguentou cinco meses num emprego sem futuro. Ao retornar voltou bem diferente, amadurecido, mas consciente da realidade da vida, e investiu em concurso e conseguiu passar para professor efetivo da Urca. Grande alegria tivemos. Sua mudança para o Crato, alegria e tristeza para nós, alegria porque o filho grande buscava a sua independência da casa dos pais e tristeza porque deixava o nosso lar. E em mim provocou o sentimento do ninho vazio. Tudo bem, superei. E a compra de sua casa própria em Crato, mais uma vitória alcançada. Com um bom emprego consolidado, sua vida mudou muito. Você levava suas sobrinhas Heloísa e Isadora para assistir a filmes no cinema do Cariri Shopping; realizou o desejo de assistir aos shows dos seus ídolos preferidos (como Paul McCartney), tendo para isso viajado a São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza, etc. Sua viagem a Londres para conhecer a terra dos Beatles lhe rendeu bons frutos, pois passou a fazer palestras sobre os Beatles e Literatura Inglesa em várias escolas da região do Cariri, sempre obtendo excelente aceitação. E fiquei muito feliz quando você adquiriu a casa própria em Crato, mais uma vitória alcançada. Também me senti feliz ao perceber a felicidade que transparecia em seu semblante no dia do seu casamento com Katiúscia. Neste apanhado de sua vida exponho com muito orgulho o Cara, que qualificamos, seu pai e eu, como uma pessoa vitoriosa e superfeliz. Parabéns e que Deus o abençoe e o proteja sempre.
Beijos de sua mãe,
Tereza Neuma
Memória fotográfica
Na terra dos Beatles |
Palestra sobre os Beatles |
Michel e seus padrinhos |
Na terceira foto o professor Eurides Dantas faz a apresentação do livro de Michel |
O primeiro carro e vibrando com a construção da casa própria. |
E-mail recebido
Olá! Amiga
Neuma
Visitei a sua coluna RECORDAÇÕES e achei muito lindo os dez Mandamentos
da Serenidade, continue sempre assim levando paz e alegria a todos com essas
mensagens maravilhosas que nos ajudam a crescer espiritualmente e a crer num
mundo melhor... Você é parceira de DEUS! Por isso Neuma, que você é mensa-
geira do BEM...
Que Deus cuide sempre de você e de toda sua família.
Um grande abraço para todos vocês!
Saudades!
Sandra, Aracaju, SE