O gesto de solicitude, a alegria espalhada nos ambientes, o aperto de mão amigo, o abraço fraternal, hoje estão praticamente em desuso. Encontramos sim, jovens, crianças, adultos, envolvidos com seus celulares, tablets, a parafernália que invadiu o espaço e carregou para bem longe a conversa-fiada, o diálogo com os pais, a afetividade, a conversa na calçada com o vizinho. É, mas o que podemos fazer? Nada! Ir contra o progresso é loucura. Então, o que faço... Abro um parêntese em busca de lembranças de coisas, de pessoas, de fatos interessantes e me transporto para esse meu mundo e me vejo sonhando e aliviando a saudade de acontecimentos que me fizeram feliz. Assim, amigos leitores, foco nesta semana mais uma lista de pessoas que despertou em mim admiração através de gestos, de polidez, de simplicidade, de acolhimento e de carinho.
Dona Lourdinha Fernandes, esposa de seu Rolinha, mecânico de automóveis (especializado em eletricidade de bateria) que morara na Rua Santa Rosa, próxima da Rua São João, hoje Alencar Peixoto. Dona Lourdinha foi a primeira pessoa do meu conhecimento a vender picolé caseiro. Seu Rolinha avesso a comprar qualquer objeto fiado, não aceitava de forma alguma, comprava sim, quando tinha o dinheiro pagando na hora. Contrariando a sua ordem, meu pai, Lulu, proprietário da Lojas Credilar, mandou uma geladeira para sua casa. Ele para não fazer feio, embora contrariado pediu a dona Lourdinha que fosse acertar como deveria pagar. Ela não se fez de rogada, combinou o pagamento em um prazo extenso, mas, muito viva, inventou de fazer e vender picolé feito nas forminhas da geladeira. A propaganda boca a boca dos picolés de dona Lourdinha foi rápida. A clientela foi aparecendo de toda redondeza. A criançada aderiu de imediato. Vários sabores eram feitos, porém o mais apreciado era de coco. Ai que delícia, sinto o sabor neste momento. O picolé era quadradinho e no centro um palito para segurar. Em conversa com suas filhas, Francislê e Francilourdes elas contaram que no prazo de três meses sua mãe quitou a geladeira só com a venda dos picolés. Dona Lourdinha alegrou muito a criançada com seus saborosos picolés e se alegrava com a presença de amigos em sua casa.
Seu Francisco de Assis, mais conhecido por seu Assis, motorista dos ônibus de propriedade de seu José Firmino Tenório e posteriormente com a venda dos ônibus para a família Lobo passou a integrar o quadro de motoristas da Empresa Lobo. Conheci seu Assis quando trabalhei na Escola Dona Maria Amélia, localizada na Av. Castelo Branco esquina com Rua São Benedito. Por ser distante a escola de minha casa tinha que utilizar este meio de transporte em vários horários. Uns dias pela manhã e noite, outros dias tarde e noite. E ficava a observar o tratamento que seu Assis distinguia para os passageiros. Era sempre cordial, delicado com os mais velhos e tinha muita paciência, esperava muito calmo que subissem com tranquilidade. Com um sorriso nos lábios recebia as crianças com gestos e brincadeiras. Parava algumas vezes até fora do ponto para receber um porta comida que levava para o destinatário. Durante quase vinte anos de viagens nesses ônibus seu Assis me cativou pela sua postura no exercício da profissão. Exímio motorista, carismático com os passageiros, principalmente com as crianças e os idosos. Numa conversa que mantive com ele e com sua filha Teresa, descobri que nunca bateu em nenhum carro e nem provocou acidente no volante. Como seria bom que todo motorista tanto amador como profissional seguissem o exemplo de seu Assis, como seria diferente o que presenciamos diariamente. O respeito não existe mais, cada qual quer ser o primeiro e não pensam nas consequências e o que podem provocar. Parabéns seu Assis, pelo tempo que trabalhou com dignidade e amor à profissão.
Inácia Gomes ou simplesmente Naná. Professora de bordado, crochê, tricô, vagonite, ponto de cruz, biscuit, digo que ela é professora de muitas facetas, ou melhor, para todos os gostos. Tenho uma profunda admiração por essa pessoa simples, alegre, prestativa que já venceu muitas batalhas e essas batalhas vencidas todas por seu mérito e vontade de crescer. Apesar de uma prole numerosa, não desistiu de estudar, fez o Madureza Ginasial na antiga União Beneficente, localizada na Rua Carlos Gomes próxima da Prefeitura. Devido ao seu empenho foi escolhida para monitorar cursos de trabalhos manuais das Linhas Círculo durante muitos anos. Várias exposições foram apresentadas dos trabalhos feitos pelas alunas. Insistiu novamente nos estudos e concluiu o Normal Pedagógico na Escola Normal e logo em seguida, o 4º Normal. Graduou-se em Teologia e no momento está cursando Pedagogia. Como professora temporária ensina na Escola Cícera Maria dos Santos em tempo integral. Fui sua aluna em ponto de cruz e vagonite, e ultimamente tive uma rápida aula sobre biscuit. Somos vizinhas de muitos anos, vi seus filhos crescerem e partirem para São Paulo em busca de um futuro melhor. Os sete filhos conseguiram bons empregos e já possuem casa própria. É uma pessoa vitoriosa e muito feliz em transmitir para quem não sabe os seus conhecimentos e ensinamentos. É uma pessoa dócil, amiga e sabe muito bem cultivar amizades.
Jacira Almeida, prima de Daniel por parte de dona Maria. Sua mãe, Ernestina, era irmã de dona Maria e gostava muito de Daniel e de mim. Frequentava muito nossa casa e tinha atenção especial por Michel. Daniel Junior não chegou a conhecê-la, ela faleceu próximo do seu nascimento. Jacira, morou um bom tempo com sua tia, dona Maria, e por esse motivo tinha um amor especial pelos primos. Daniel quando a gente namorava sempre me levava para visitá-la na Rua Santa Luzia. O papo muito descontraído e gostoso. Um certo dia tive uma séria discussão com Daniel, praticamente terminamos o namoro, mas o que fiz: recorri ao auxílio de Jacira, para que ela intermediasse com seu primo e não levasse a sério a nossa desavença, e graças a ela sou casada com Daniel e sou muito feliz. Ela e Pepeu, seu esposo foram as testemunhas do nosso casamento religioso e também apadrinhou o nosso segundo filho, Daniel Junior. Somos amigas e comadres, e dedico-lhe um carinho especial.
Dona Mocinha, seu nome verdadeiro Vicentina Gomes do Nascimento, vendia bombons num carrinho de madeira em frente ao Posto Monark de propriedade de seu Nino, loja que vendia bicicletas e materiais afins. Lembro de dona Mocinha, senhora muito simpática e risonha quando ia ou voltava do trabalho na Lojas Credilar. Comprava balas Piper, balas de cevada e maçãs. Que maçãs saborosas vindas da Argentina embrulhadas com o papel de seda roxo. O cheiro impregnava na caixa e o gosto da maçã era delicioso, diferente do gosto das que compramos hoje. Fiquei emocionada quando a encontrei na Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, no dia em que minhas netas receberam a primeira Eucaristia. Veio à tona naquele instante as minhas idas e vindas do trabalho; o seu cantinho reservado na loja de seu Nino e a minha juventude em minissaias que usava nessa época.
Viver é saber, ou pelos menos tentar dar valor a tudo aquilo que expressa alguma importância. Valorizar pessoas, trabalhos, artes, culturas etc. imbuídas em seu mister. E foi com esse pensamento que relacionei a importância de algumas pessoas em minha vida.
Uma semana maravilhosa, pródiga de bênçãos de Deus.