Na última romaria, a Romaria de
Finados, resolvi ver de perto o comércio espalhado nas praças e nos arredores
do Santuário de São Francisco, na Basílica Menor de Nossa Senhora das Dores, no
Museu do Padre Cícero, localizado na Rua São José, e o que vi me deixou
impressionada, a quantidade de vendedores, de artigos e objetos que minha vista
ficou cansada de ficar virando o rosto para todos os lados. Então, saltou aos
meus olhos um senhor de idade vendendo as pequenas sombrinhas de lã que fizeram
parte das minhas brincadeiras de boneca. Não resisti e comprei duas para
presentear minhas netas. Nessa hora, lembrei de uma senhora que as vendia de
porta em porta, dentro de uma cestinha de arame, juntamente com peças feitas
com papelão, palitos e papeis de seda coloridos com casa de abelha (colagem).
Lindas! Quando ela batia em nossa porta, já tinha certeza que não saía sem
vender. Bonecas de pano, pequenas e grandes, mas a beleza e o capricho das que
vi deixa muito a desejar. As minhas bonecas eram bem feitas, tinham os cabelos
compridos, feitos, acredito, de algodão com uma fita em volta da cabeça e o
vestido feito de papel crepom (rosa, verde, amarelo, de duas cores etc) e as
sandálias cruzadas por cima dos pés iguais à roupa. O corpo, de morim, na cor
rosa. Já estava ficando cansada do calor causticante, porém, decidi enfrentar
mais um pouco a multidão dos romeiros, as bancas instaladas em muitas direções
e ruas no intuito de ver novidades ou então, coisas da minha infância. O que
encontro numa banca de artesanato: o João pula pula, peteca, roi roi, vassouras
e espanadores de agave, cestão de folha de palmeira e candeeiros pequeninos de
flandres. Que coisa danada, o tempo de minha meninice volta instantaneamente!
Lembro das minhas brincadeiras, dos folguedos com as minhas irmãs, primas e amigas. Fotografei tudo para que a
imagem ficasse guardada. Passo, então, na Rua São Pedro entre Conceição e Santa
Luzia, e rememoro a Feira do sábado, nesse trecho. A memória do passado
continua fervilhando, e recordo o seu João Doceiro (falecido em agosto passado),
sua banca de quebra-queixo nos sabores coco, gergelim, amendoim e castanha.
Doce em barras de leite, goiaba, banana, abacaxi e buriti. A sua figura típica
com um boné e o sorriso nos lábios. Por um período sua banca funcionou em
frente ao prédio que hoje funciona à Mart Center, depois passou para a outra
esquina, onde hoje funciona a Farmácia Pague Menos. Naquele tempo, o quebra-queixo
depois de cortado com a espátula era enrolado num quadradinho de papel para que a pessoa o degustasse. Atualmente
serve-se em pequenos sacos plásticos. Seu João Noé (João Doceiro) era natural
de Caruaru-PE, veio criança para Juazeiro e aqui se radicou, tornando-se
fervoroso devoto do Padre Cícero. Casou, nasceram os filhos e durante mais de
seis décadas trabalhou na feira livre de
nossa cidade, no sábado, e na vizinha cidade do Crato, na segunda-feira. Nas romarias
de nossa sempre esteve presente. Participou também por muitos anos das festas
dos padroeiros de Canindé, Icó, Mombaça, Acopiara, Iguatu e Pedra Branca. Mas
devido à idade ficou participando somente dos festejos de Nossa Senhora do
Carmo, padroeira da cidade de Jucás-CE. Quando completou 50 anos de frequência
à festa da padroeira foi homenageado com o título de Cidadão Jucaense,
outorgado pela Câmara Municipal de Jucás, em 2006. Os moradores dessa cidade
afirmam que além de vender seus doces, ele transformava a festa num período de
alegria e entusiasmo. O prestígio de ‘João Noé’ era tão notável que a
prefeitura de Jucás, há quase uma década, mandava buscá-lo e deixá-lo em
Juazeiro do Norte, onde ele morava com a família. Para ele, participar da festa
virou não apenas uma tradição, mas também um ato de fé e devoção. O ‘velho
doceiro’ já faz parte da história da cidade e a ‘Festa do Carmo’, não seria a
mesma sem a presença dele. (Informações colhidas no site: www.jornalapraça.com.br, texto de J.
Guedes. Sua banca em Juazeiro agora funciona na Rua São Cândido com Leão XIII, agora
com seu filho, Geraldo, que informou que ele faleceu no dia 16 de agosto deste
ano. Uma pena, não tê-lo visto mais e fotografado.
Quando passava nas imediações da
Ótica Bárbara e da Mart Center recordei de dona Maria Patrocínio e de sua
sobrinha, Maria, que colocavam uma banca de miudezas em frente dessas lojas,
quando existiu o Armazém Triunfo, do seu Aurino Mendonça. Durante muitos anos
elas frequentaram a feira do sábado. Os artigos que sortiam essa banca eram linhas,
agulhas, pentes, brilhantina, sabonetes, pastas, escovas, travessas para
cabelo, aparelhos de barbear, bacias e pinceis de barbear etc. Não esqueci a fisionomia delas e fui até
a sua casa pedir uma foto para que as pessoas dessa época lembrem ou as guardem na lembrança. Hoje dona Maria Patrocínio está
com 86 anos e o peso dos anos a deixou com as pernas enfraquecidas, e quase não
anda. Foi uma batalhadora, trabalhou também com um box no mercado vendendo
raízes, chás, mel, Bálsamo da Vida. Mudou de ramo novamente e passou a fazer
comida numa pequena quitanda na Matriz de Nossa Senhora das Dores. Sua comida, conforme
me disse Maria, sua sobrinha era bastante apreciada pelos turistas e romeiros.
E até há algum tempo eles a procuravam querendo sua comida. Maria comentou
ainda que ela já possuiu casa própria, mas foi enganada por espertalhões e hoje
moram em casa alugada. Senti pena, tanto que trabalhou e no final da vida morar
de aluguel. Chamo isso de desventuras da vida. E nas lembranças que lhes trago,
caros leitores, existe um pouco de tristeza e de alegria. Tristeza em ver uma
pessoa debilitada como está e que trabalhou tanto e não possui casa própria.
Alegria porque dona Maria, apesar de tudo, é feliz e satisfeita. Ela disse para
mim e para sua sobrinha, com um sorriso nos lábios quando sua sobrinha falou da
casa que ela tinha feito negócio e foi mal sucedida, “nós não estamos
passando?”. Deus a conserve resignada e
conformada com a vida como ela demonstrou.
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João Doceiro (Foto de J. Guedes) |
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Dona Maria Patrocínio e sua sobrinha, Maria |
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Bonecas de pano |
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João pula pula. Roi roi. Petecas |
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Casa de abelha. Sombrinha de lã |
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Utensílios diversos |