Em setembro de 1992 fui junto com
Maria Duarte (Maria que morava com meus sogros) buscar na casa de seu Ézio e
dona Vilani, moradores da Rua São José, bem próximo do Colégio Salesiano, um
gatinho todo branquinho. Quando surgiu a vontade de ficar com ele? Participávamos
(Daniel e eu) na casa desse casal de uma reunião do ECC, quando vejo um monte
de gatinhos recém-nascidos, achei-os lindos, principalmente um todo branquinho,
demonstrei interesse em adotá-lo, mas dona Vilani disse: “Estão muito novinhos,
daqui a um mês você pode vir pegá-lo”. E assim o fiz. Quando o peguei, ele
abriu os olhinhos, a coisa mais linda e bocejou. Que alegria, fiquei fascinada,
foi amor à primeira vista. No caminho fui dizendo para Maria que o nome dele
seria Milk por ser muito branquinho, da cor de leite. Ao chegar em casa
coloquei-o no chão e fui preparar uma caixinha para acomodá-lo, entretanto ele
zangou-se e começou a miar. Coloquei leite morninho e nada, não quis nem saber.
E o miado continuou, Daniel chegou do passeio que sempre fazia aos sábados na
companhia do saudoso amigo Mons. Murilo. Daniel inclinou-se até ao chão e lhe
acariciou, ele ficou bem quietinho e parou de miar, o que ele queria mesmo era
colo, estava sentindo a falta da mãe. Os miados continuaram por uns dois dias,
depois ele foi se acostumando, colocava perto dele um cordão e ele tentava
segurar, era uma graça. À medida que o tempo passava, o blanquinho, como
gostava de chamá-lo ficava cada dia mais sabido. Ficava escondido debaixo das
camas, se deixasse o armário aberto era certeza se meter por lá. Corria pelo
quintal, pelo jardim, subia nas árvores, como me divertia muito com suas
traquinagens. Michel, meu filho, muito matreiro, achou pouco a minha
preocupação com o sapeca felino e trouxe uma cadelinha muito lindinha de apenas
vinte e cinco dias, dizendo que deixasse ela dormir apenas nessa noite em minha
casa. Kátia e Jairo, quase nossos vizinhos nessa época, sua cadelinha tinha
parido três cachorrinhos; um o professor Edilson adotou-o e ficaram dois, um
dos quais era a cachorrinha que Michel trouxe. Questionei imediatamente, não
quis de forma alguma aceitá-la, mas ele insistiu tanto que cedi, foi aí a minha
ruína. Em primeiro lugar Milk não gostou da ideia, ficou emburrado, só
aparecia para comer. No dia seguinte me
preparei para devolvê-la, porém a cadelinha ficava cheirando meus pés, para
onde eu ia ela me acompanhava, travessa, já sabia como me conquistar. Mesmo
assim a disposição de entregá-la era certa. Michel chegou, e fui logo dizendo
que já estava na hora de levá-la para seu dono, ele olhou para mim e disse:
“Mãinha a senhora não gostou dela, ela é tão carente e fará companhia para
Milk”. Respondi que não, ele não tinha acatado a ideia de ser passado para
trás. Daniel olhou para a bichinha e disse: “Neuma, você não gostou dela? Eu vi
você colocando-a no braço, isso é sinal de que ela lhe cativou! E soltou uma
gostosa gargalhada, fazendo charminho para que a aceitasse. Fiquei num beco sem
saída, dois contra um, Michel e Daniel, e para completar o olhar pidão da
cadelinha que já balançava o rabinho toda contente para mim. Entreguei os
pontos e resolvi adotá-la, Kátia e Jairo tinham colocado o nome de Brahma,
diziam eles que quando ela começou a andar era como uma bebinha, tentava se
segurar e pendia para um lado, quando se levantava pendia para o outro lado,
então aceitamos o nome. Milk muito arredio não se aproximava dela, ficou todo
ciumento e quando me via com ela, miava e se esfregava em minhas pernas. Após
uns dois ou três dias a amizade entre eles começou, brincavam o dia todo. Ela
pulava em cima dele, mordia e ele não revidava, era muito divertido vê-los
brincando. Aconteceram dois episódios que nos emocionaram muito e que
demonstrou o grande amor que Brahma tinha por mim. No dia do falecimento de
mamãe, quando recebi a notícia fiquei inconsolável, chorando muito e ela ficou
o tempo todo ao meu lado, e não deixava ninguém aproximar-se de mim, quando os
amigos me abraçavam ela latia desesperada, só ela podia me consolar, querendo
ficar no meu colo e o tempo todo a me lamber. O outro fato, sempre no sábado à
tarde ficava sozinha em casa.
Daniel ia para a casa de padre Murilo, Michel ia ensaiar com
a banda e Daniel Junior saía, e aconteceu que fui retirar da estante uma caixa
e quando puxo cai uma pedra redonda de mármore da mesinha do telefone, só em
pensar ainda sinto a dor, grito e não consigo puxar o pé, ficou preso e a dor
lancilante me fez gritar muito forte, a danadinha procura socorro e começa a
latir, não aparece ninguém, ela corre até o jardim e volta para perto de mim.
Consigo me levantar e me dirijo à geladeira para pegar gelo e colocar no dedo,
sento, ponho o gelo e gemo de dor, o dedo ficou logo roxo. Ela percebe minha
aflição e corre novamente para o jardim, e late, mas nada. Vem para perto de
mim e quando Daniel chega, ela se anima, querendo dizer chegou o salvador, balança
o rabinho e se acomoda. Tive que ir para o hospital e engessei o pé, quando
cheguei ficou cheirando o gesso para me agradar. Quando adoeceu levei para sua
veterinária dra. Wilna, ela fez exame de sangue e constatou que Brahma estava
com diabetes, que tristeza. Perdeu peso, tomava o medicamento, mas com tempo
foi definhando, definhando até que chegou o dia de levá-la para a clínica para
que ela não voltasse mais. Fiquei arrasada, chorei por uns quinze dias,
sentindo a falta da minha cachorrinha, tão mimada, ela dormia no nosso quarto
numa rede-berço, toda enroladinha por causa do ar condicionado. Senti também
sua falta no portão, quando ela escutava o barulho do carro vinha nos esperar.
E do ciúme que sentiu de minha primeira neta, Heloísa, ficava toda cismada e
latindo. E dos passeios de carro, gostava de ficar no meu colo com a cara na
janela que as orelhinhas balançavam. E dos passeios pela rua pela manhã, quando
chegava perto da gaveta que estava sua coleira já entendia e corria para o
jardim e ficava me esperando. O deus nos acuda era no dia do banho, tinha que
pegar o sabonete, a toalha, a escova, colocar a água na pia, sem que ela
percebesse, pois se sentisse que era para banhá-la se escondia debaixo das
camas e não queria sair de forma alguma. Dez anos gozamos da companhia sincera
e amiga desse animal que sabe conquistar o seu dono. Milk continuou conosco por
mais quatro anos, porém ele sentiu muito a falta de Brahma, ficava procurando
nos quartos, na sala que ela gostava de ficar deitada, cheirando os locais que
ela costumava ficar. Depois, foi se acostumando e viveu conformado por mais de
três anos. A idade foi avançando e o apetite foi diminuindo, perdeu peso,
passava a maior parte do tempo dormindo. Não brincava mais, não se animava como
antigamente. Fizemos uma viagem e quando voltamos ele nem se levantou do lugar
em que estava, estranhei e falei para Daniel: “Bem, Milk nem veio cheirar
minhas pernas e nem sequer miou, acho que ele está doente!”. Realmente, no outro
dia chamei o veterinário, ele veio até aqui em nossa casa, dr. Wendy Gonçalves,
durante uma semana aplicou injeções, mudou a alimentação e nada dele responder
ao tratamento, nem abria mais os olhos. Fiquei logo triste, dizendo para mim
mesma, mais um amiguinho que vou perder. Combinei com Daniel, saí de casa e ele
ligou para a clínica veterinária e o meu blanquinho saiu também da minha vida,
deixando muitas lembranças e saudades. Lembranças que alimentei com fotografias
e revivo tudo novamente quando a saudade aperta. Hoje, não quero mais nenhum
animal, poupo-me de grandes tristezas e quero também curtir minhas viagens sem
nenhuma preocupação.
Confesso-lhe, Neuma, que a leitura do seu texto mexeu comigo. É que também tenho uma paixão: adoro pássaros, especialmente o curió, cuja etimologia esclarece que seu significado é "amigo do homem". As aves, como o cão e o gato, nos escravizam. Às vezes, renuncio a uma viagem de recreio por causa deles, quando não encontro que os trate com o mesmo carinho. Há um ano, desfiz-me do meu plantel de curiós, em virtude de uma mudança de residência. Foi um suplício para mim. Minha mulher negou-me piedade: "Não os levará; não há espaço para eles". Fiquei desolado.
ResponderExcluirDurou pouco a forçada separação deles. Hoje, já recompus me plantel com menos aves, mesmo sem a inteira aprovação da dona da casa, minha mulher, que é um pouco indiferente à suavidade do canto do curió, achando-o perturbador algumas vezes.
Seus animais de estimação morreram, contudo resiste no seu íntimo a afeição por bichos. Logo você estará novamente mimando-os e, em contrapartida, recebendo deles retribuição.
Meus aplausos pelo belo texto.
Eduardo Matos